As redes sociais podem ser uma vitrine de valorização profissional, uma alavanca de suas qualidades e sua competência. Neste ambiente digital vemos serem publicadas rotinas, ideologias e passatempos, e vemos, por outro lado, ferramentas como Instagram, YouTube e até mesmo o TikTok serem usados com fins profissionais para captação de clientela ou mesmo fidelização da carteira.
Todos temos direito à liberdade de expressão, mas o uso, que parecia ilimitado, no entanto, está gradativamente criando contornos, não apenas éticos, como também limites que já estão na legislação e estão sendo adaptados à nova realidade.
O judiciário brasileiro vem, cada vez mais, impondo restrições ao uso indiscriminado das redes sociais, especialmente em âmbito corporativo. Isto porque os usuários não apenas mostram a rotina com o filho, ou o que comem em sua dieta, mas também usam o ambiente digital para comprometer a honra e boa fama de outras pessoas.
Nestes últimos meses, vimos na imprensa inúmeros fatos que demonstram o impacto das redes sociais à rotina empresarial, como por exemplo, uma professora de educação infantil, que utilizava do serviço pago do Instagram (onyfans) para monetizar sua nudez, ser demitida da escola em que trabalhava. A justificativa foi a pressão externa e o não alinhamento de sua conduta fora do ambiente escolar diante do que o estabelecimento pregava como missão e valores.
Há, também, episódios de insultos públicos não tolerados pelas empresas, como são os casos de ofensas de empregados que usam das plataformas para zombar de colegas de trabalho, ofender chefes ou subordinados, criar fofocas, ofender o caráter das pessoas e até mesmo atingir a integridade moral de outros. Acabam ofendendo a imagem da empresa, seja por insatisfação salarial, discordância de pensamento ou falta de perspectiva.
Nesse contexto, as empresas passaram a monitorar ativamente a participação dos funcionários nas redes sociais devido à preocupação com a sua reputação e com a segurança da informação. Esse monitoramento já está sendo informado pela empresa a seus colaboradores, e há, inclusive, a previsão de punição.
A Justiça chancela estas punições. A Justiça do Trabalho de Barretos, por exemplo, condenou um homem a pagar indenização de R$ 6.600,00 por danos morais a seu ex-empregador por ter usado as redes sociais para reclamar da empresa. O juiz ainda o condenou a retirar todos os comentários depreciativos e o proibiu de fazer novas postagens sobre a empresa.
Analisando a legislação, além de danos morais indenizáveis, ainda há o artigo 482 da CLT, na alínea “k”, que prevê a demissão por justa causa por ato lesivo da honra ou da boa fama, ou ofensas ao empregador ou superior hierárquico.
Usar das plataformas públicas para reclamar de políticas salariais ou de aspectos internos de seu contrato de trabalho pode denegrir a imagem da empresa. Não apenas sendo explícito, mas algumas vezes de forma indireta pode ocorrer o ato lesivo da honra e boa fama.
Nesta toada, temos que a informação da empresa sobre sua missão, visão e valores é fundamental.
Demonstrar à equipe os princípios que norteiam sua jornada cria o ambiente em que ele deve trabalhar, não apenas nas funções quase que mecânicas do dia a dia, mas também o pano de fundo da empresa e a imagem que pretende passar.
Com a expansão do uso da internet e do acesso a ela, seja nas redes sociais, blogs ou outros espaços de atuação e interação, a violação à imagem pode se dar por prática de condutas que violem os direitos da personalidade, ainda que fora de seu horário de trabalho.
Após uma postagem ser veiculada em sua página no Instagram, por exemplo, o autor desta postagem não mais detém o poder sobre ela, tendo em vista que se torna pública e poderá ser compartilhada em tempo real por um número incalculável de usuários.
A ideia de que o empregado só precisa cumprir o que a empresa determina enquanto estiver no ambiente de trabalho é equivocada.
Empregado é um representante da organização perante a sociedade, e se a sociedade vê a empresa como organização séria, que preza pela ética, bons costumes, respeito ao cliente e fornecedores, aquelas condutas de empregados em desacordo com estes princípios, pode comprometer a imagem da empresa, ensejando em último caso a demissão por justa causa.
As normas trabalhistas não impedem que as empresas estipulem, no contrato de trabalho ou no regulamento interno, condutas e posturas relativas ao uso das tecnologias. Tais parâmetros também podem fazer parte de convenção coletiva, ou podem ser desenvolvidos materiais de informação interna como manuais, cartilhas ou códigos de conduta, orientando os empregados sobre a linguagem apropriada e palavras consideradas indevidas. Há até mesmo ferramentas digitais em algumas empresas que rejeitam e-mails pela área de TI por conter palavras que são consideradas impróprias no uso corporativo.
Portanto, a liberdade de expressão não se sobrepõe aos valores da empresa, porquanto o respeito ao código de ética e de conduta, devem prevalecer na relação empregatícia.
Embora o empregado possua o direito à livre manifestação do pensamento, é importante frisar que o ele deve ter o bom senso e evitar o mau uso das ferramentas digitais contra o seu empregador.
Nesse viés, o princípio da boa-fé que envolve o contrato de trabalho pressupõe, necessariamente, que exista, entre os sujeitos da relação empregatícia, um dever de respeito mútuo.
Uma das sugestões que podemos deixar a partir deste artigo é a construção de uma política interna de boas práticas para que os colaboradores observem em redes sociais, especialmente quando os empregados se utilizam de elementos que, de alguma forma, podem vincular postagens à imagem da empresa.
É aqui que entra o compliance. Embora o termo seja relacionado, especialmente pela imprensa, às leis e normas anticorrupção, a abrangência dele é maior. No ambiente corporativo, compliance está relacionado à conformidade ou até mesmo à integridade corporativa. Ou seja, significa “estar alinhado às regras da empresa”, que devem ser observadas e cumpridas atentamente.
Essas regras podem variar de acordo com as atividades desenvolvidas pela empresa e não se resumem apenas a casos de corrupção — elas podem envolver obrigações trabalhistas, fiscais, regulatórias, concorrenciais, entre outras. Estar em conformidade com tais regras também se refere aos controles internos e de governança corporativa.
O compliance será responsável por criar esse ambiente de prevenção regulado por normas internas precisas e que serão passadas aos colaboradores de forma clara para que assim ele tenha ciência do que não fazer e as consequências do descumprimento.
São inúmeros exemplos do que esta política pode prever, como proibição de menção da empresa em postscom motivações políticas, vedação de utilização de fotos com uniformes funcionais, previsão de certos cuidados em caso de o empregado se identificar na rede social como integrante do quadro de empregados da empresa, evitando que suas opiniões soem como se fossem do empregador.
Ainda, podem ser abordados outros aspectos da relação com as redes sociais, como o uso de redes sociais durante o horário de trabalho, por exemplo, lembrando-os de que mesmo em suas redes pessoais, muitas vezes há clientes ou prospects que terão acesso às suas postagens, sejam de qual natureza forem, e que podem vincular esses posicionamentos pessoais à imagem da empresa.
Portanto, entender o que conflita entre a liberdade de expressão e o que pode gerar prejuízos a colegas ou à própria empresa em que trabalha é um assunto cada dia mais em voga, mas, como regra geral, já dizia o filósofo inglês Herbert Spencer: "A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro" - ensinamento antigo e ainda muito atual.
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